Artigos de opinião











Boa tarde Pedro

Já tive a oportunidade de ler a sua “carta aberta” e felicito-o por ter aproveitado a oportunidade da “promessa” de que os atletas olímpicos iriam (quando?) poder passar a estudar on line (presumo que o chamado e-learning) para mais uma vez lançar o debate sobre a conciliação entre desporto e estudos. E digo promessa porque ainda não se viu nada e de boas intenções está o inferno cheio. Mas mesmo que projecto avançe, se ainda não está lançado, deverá levar pelo menos dois anos a implementar.

Vou procurar dar umas achegas para esse debate esperando que tenham alguma utilidade. E que possam andar para a frente mais depressa, muito mais depressa.

Começo por comentar uma frase sua “ESTUDOS ONLINE – e que tem obrigatóriamente de ser alargado aos praticantes desportivos de alto rendimento.”

Mas quem são estes “ praticantes desportivos de alto rendimento” ? Concentrando-me nos tenistas juvenis masculinos e atendendo aos critérios conhecidos 300 TE-16, ou melhor, para os sub-16 e 500 ITF-Junior, ou melhor, para os sub-18, fui ver quantos atletas portugueses poderiam hoje cumprir esses critérios se o processo começasse agora. E os números que encontrei revelam tudo: 4, sim quatro, em sub-16, e outros 4, sim quatro, em sub-18. No feminino não fui ver mas o panorama deve ser semelhante senão ainda mais desolador.

Perdoe-me a expressão, mas isto é absurdo. Portugal só tem 8 juvenis masculinos que sejam “praticantes de alto rendimento” no ténis ?

Mas que Federação Portuguesa de Ténis (FPT) é que tolera isto ? Que futuro é que a FPT imagina para o ténis de competição português ?

Eu não sei de quem é a responsabilidade da definição dos critérios para ter o estatuto de “ praticantes desportivos de alto rendimento” no que se refere ao ténis mas se não é a FPT, esta tem ou deveria ter aí um papel primordial. Aliás estou convencido de que tem esse papel primordial e a consequente responsabilidade.

Note, também, que sendo os critérios para a obtenção do estatuto de “praticante desportivo de alto rendimento” dependentes exclusivamente de rankings internacionais, para conseguir esse estatuto um atleta tem que participar (e ter resultados) em vários torneios internacionais. A participação em cada um destes torneios implica, naturalmente, faltar às aulas entre 6 e 9 dias. Simplifiquemos, uma semana de faltas, por torneio. E isto antes de conseguir o dito “estatuto”, ou seja enquanto não tem acesso, sequer, aos “magros benefícios” que o estatuto proporciona em termos de justificação de faltas, provas alternativas, etc. Participar em seis torneios em período de aulas significa faltar a seis semanas de aulas, repito, antes de ter, sequer, o estatuto.

Como é possível? E espanta-se alguém que eu tenha encontrado os números que referi acima? Só se for a FPT.

Há vários anos tive a oportunidade de chamar a atenção da FPT para as consequências negativas que adviriam para o ténis juvenil português pelo ênfase exagerado na internacionalização. O que estava mal era o exagero, face às deficiências estruturais, nomeadamente as dificuldades com os estudos, não a internacionalização em si.

Não há soluções perfeitas, e ainda mais quando são urgentes, por isso, recorrendo ao velho ditado “Quem não tem cão, caça com gato. Mas caça !”:

Sugestão: A FPT alargar imediatamente os critérios para a obtenção do estatuto de “ praticante de alto rendimento” em ténis, pelo menos no que se refere aos juvenis e com referência às facilidades escolares. E deixem em paz as facilidades para entrar na Universidade, que isso é matéria complexa e contenciosa e, portanto, de difícil e demorada resolução.

Trabalhar com base nas classificações nacionais, em acréscimo aos critérios de ranking internacional, é uma possibilidade (quem tivesse estado num top 20 nacional num dos dois anos anteriores, e o solicitasse, por exemplo), mas há outras, muitas outras possibilidades.

Trabalhar também com critérios competitivos nacionais ainda tinha a vantagem adicional de dinamizar o circuito competitivo juvenil no país.

Se a FPT não tiver poderes para fazer isto deve actuar vigorosa e visivelmente para “forçar”, quem tenha esse poder.

Paralelamente, e isso demorará tempo, procurar em conjunto com os outros desportos redefinir e alargar as facilidades curriculares, de inscrição em disciplinas e de presença em aulas a conceder aos “praticantes desportivos de alto rendimento”.

Quanto ao e-learning: De forma muito simples, o e-learning tem duas componentes, as aulas e o acompanhamento.

As aulas são caras, no que se refere à preparação e filmagens, mas depois servem para todos os que o desejem sem acréscimo de custos, com toda a flexibilidade de poderem ser vistas a todo o momento, sem restrições de horários, e em qualquer parte do mundo. Neste sentido, uma vez produzidas deveriam ser disponibilizadas para todos os que o quizessem, fossem desportistas ou não.

Quanto ao acompanhamento (presencial, telefónico ou via “chats”), já não é tanto assim. A questão é um pouco mais complexa mas há milhentas soluções por esse mundo fora e pode-se escolher ou adaptar, como se quizer ou entender melhor. Em Portugal não chega querer inventar a roda. É preciso inventar a roda perfeita !

Abraços


José Pedro Barosa  





CARTA ABERTA AO Sr. MINISTRO DA EDUCAÇÃO E AO SR. SECRETÁRIO DE ESTADO DO DESPORTO

Exmos. Srs.
A propósito do artigo do Expresso da sua última edição, de 8 de Fevereiro, sob o título “OLIMPICOS
PORTUGUESES VÃO PODER ESTUDAR ONLINE”(1º Caderno, Modalidades, pág. 39) e a propósito ainda da imposição de Medalha de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique a CR7 gostaria de dizer o seguinte.
Sou treinador de Ténis há mais de 30 anos, comecei a minha carreira de treinador ainda na Universidade
Clássica de Lisboa, enquanto me licenciava em Direito. Fiz o Estágio de advogado, exerci advocacia,
abandonei-a e dediquei-me a partir daí em full time a esta carreira, que ainda hoje me fascina e me cria em
simultâneo as maiores frustrações. Tive vários cargos em diferentes fases da minha carreira na Federação
Portuguesa de Ténis, entre os quais durante 10 anos o de Seleccionador Nacional Juvenil e sempre, digo
sempre, me debati com uma questão que para nós portugueses parece insolúvel e que os outros lá fora já
resolveram há muito. Refiro-me à questão dos Estudos e do verdadeiro nó górdio que é em Portugal um
atleta, mesmo tendo o Estatuto de Alto Rendimento, conseguir conciliar a partir de certa idade e certo
nível, os Estudos com o Treino e Competição.
Houve um dia, ainda na Faculdade de Direito, que cometi o erro de levar as raquetes de ténis para as aulas,
dado que ia treinar a seguir. Houve um Professor que espantado me perguntou se eu tinha tempo para
jogar Ténis! Claro que nunca mais levei raquetes para a Faculdade e praticamente as arrumei até concluir a
licenciatura. É certo que os tempos mudaram, hoje já se aceita e incentiva a prática do desporto nas
Universidades, mas o problema permanece o mesmo para aqueles que desde cedo se dedicam e têm de se
dedicar ao treino intensivo de uma modalidade até atingirem um alto nível de rendimento e querem ao
mesmo tempo prosseguir os seus Estudos.

Com as exigências do Ténis moderno, para os melhores atletas, em Portugal, a partir dos 14 anos é
crescentemente difícil, e praticamente impossível a partir de certa idade, conciliar Estudos com
Treinos/Competições de alto nível. Naquela idade, as exigências do treino, em volume e intensidade,
sobem exponencialmente, passando a haver a necessidade de mais horas de campo, mais desgaste físico,
mais competições quer Nacionais quer Internacionais.
É também nesta idade que surge igualmente uma maior exigência escolar. Por cá, do 2º Ciclo ao
Secundário, onde estão envolvidos os alunos com as idades cruciais para poderem ser incluídos no Alto
Rendimento, os coitados têm dezenas de disciplinas (13 no 8º ano, que coincide justamente com o grande
aumento de volume do treino desportivo) e o DL nº 272/2009, que regula o Apoio ao Desporto de Alto
Rendimento, apesar de conceder várias facilidades aos praticantes desportivos de alto rendimento, tais
como “Horário escolar e regime de frequência”(art.15º), “Justificação de faltas”(art.16º), “Alteração de
datas de provas e avaliação”(art.17º), etc… não lhes retira nem uma disciplina, nem lhes perdoa um exame
que seja. É-lhes aplicado, com as facilidades apontadas e dependentes sempre da benevolência da Escola
ou dos professores que as aplicam, o mesmo regime dos seus colegas que não perdem um minuto a
praticar desporto.
A partir dos 14 anos passa, pois, a ser cada vez mais complicado conciliar Estudos com Ténis de Alto
Rendimento, e quanto maior for o sucesso competitivo, implicando maior numero de Torneios e Torneios
mais importantes, nacionais e no estrangeiro, com mais rondas ultrapassadas, mais tempo fora, cansaço
acumulado e portanto menos disponibilidade para os estudos.

Parece um círculo vicioso: quanto maior é o sucesso desportivo, maior a dificuldade em manter o sucesso
escolar e em igual medida quanto maior o sucesso escolar maior a dificuldade em atingir o sucesso
desportivo.
E em Portugal parece ser ainda mais difícil. Não estamos em países onde de facto se incentiva ao máximo a
prática desportiva e há um grande investimento nesse sentido porque se sabe que o desporto é uma peça
fundamental na formação dos jovens, com reflexos importantes em todos os quadrantes, onde se inclui
naturalmente os estudos.
Impõe-se assim, uma criteriosa conciliação e adequação da carga horária escolar com a do treino
desportivo de alto rendimento, sem a qual continuaremos a exigir o impossível aos atletas portugueses,
isto é, que alcancem resultados de relevo face aos seus congéneres estrangeiros, tendo à partida
condições substancial e dramaticamente desiguais. E isto, já se sabe, normalmente para condições
diferentes, resultados diferentes. É pois, da mais elementar justiça que haja uma paridade nas condições
entre uns e outros.
Por isso se saúda o extraordinário avanço que representa para o Desporto Olímpico português, que só
peca por tardio, o noticiado pelo Expresso – ESTUDOS ONLINE - e que tem obrigatoriamente de ser
alargado aos praticantes desportivos de alto rendimento.

Num País como Portugal, onde se dá uma enorme importância e clara prioridade aos Estudos, pelo menos
nas classes sociais onde a maioria dos atletas do ténis são recrutados, sem resolvermos este importante
tema, ou sem que haja uma conciliação credível entre ESTUDOS/TÉNIS, será muito difícil, para não dizer
impossível, produzir consistente e regularmente atletas de competição de alto nível.
A não ser assim, temo que mais nenhum Presidente da República consiga condecorar algum desportista
com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Pelo menos não em Ténis ou noutras
modalidades em que a pressão social é grande para conciliar Estudos e Desporto de Alto Rendimento, ou
então sim, mas não se admirem se uma das mais altas condecorações concedida pelo Estado português for
atribuída a um cidadão praticamente analfabeto.
Com os melhores cumprimentos
 Pedro Bivar

Treinador e Director Técnico do Ace Team/Clube de Ténis de Alfragide
Presidente do Conselho Técnico da Associação de Ténis de Lisboa
Ex Seleccionador Nacional Equipas Juvenis
1º Coordenador Nacional do PNDT (PROGRAMA NACIONAL DE DETECÇÃO DE TALENTOS) da FPT
Licenciado em Direito

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